quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O PORTUGUÊS.COM

A comunicação expressa das salas de bate-papo e dos blogs está mexendo com o idioma em casa e nas escolas. Isso é bom?
ANA PAULA FRANZOIA E ANTONIO GONÇALVES FILHO
Denise Adams/ÉPOCA
NAVEGADORES
Rafael, Pedro, Victor e Gustavo não usam a língua da rede na escola
A vida lingüística do futuro está por um fio? Há quem suspeite que sim e culpe o pragmatismo dos usuários da internet por sua agonia. Na ânsia de se comunicarem num curto espaço de tempo, eles abreviam palavras ao limite do irreconhecível, traduzem sentimentos por ícones e renunciam às mais elementares regras da gramática. O resultado dessa anarquia comunicativa divide opiniões. Lingüista respeitado, o inglês David Crystal, autor do livro A Linguagem e a Internet, chama esses defensores da sintaxe de alarmistas e não prevê um futuro desastroso para a gramática por causa da rede. Lembra que a invenção do telefone provocou a mesma desconfiança dos estudiosos, preocupados com o risco de uma afasia epidêmica entre os usuários. Por incorporarem uma linguagem cheia de 'hã, hã' e 'alôs', eles corriam o risco de perder a capacidade de expressão e a sociabilidade. Não foi o que ocorreu, lembra Crystal. Ele faz uma previsão otimista: o jargão dos chats (salas de bate-papo) e dos blogs (diários que se tornam públicos) pode estimular outras formas de literatura e desenvolver o autoconhecimento do jovem, como percebeu ao analisar o conteúdo de blogs ingleses.
O outro lado da história é contado por psiquiatras. Pais de adolescentes com distúrbios de linguagem estão levando os filhos ao consultório e recebendo um diagnóstico, no mínimo, preocupante: suspeita-se de uma onda de 'dislexia discursiva'. O jovem, que até então não apresentava nenhum problema na escola, começa a ter uma avaliação catastrófica dos professores. Perde a capacidade de entender o que lê fora do ambiente da rede. Sem entender, não tem condições de julgar, e sem posição crítica fica incapacitado de reflexões profundas sobre a realidade que o cerca. Os pais imaginam que o filho está mentalmente perturbado ou tomando drogas, mas ele apenas renunciou a seu potencial expressivo para adotar a linguagem estereotipada da internet. Adolescentes viraram suas vítimas preferenciais.
Os jovens erguem uma barreira contra seus pais, que não compreendem uma só palavra das mensagens trocadas com os coleguinhas, mas ficam igualmente isolados, incapacitados de escrever segundo os códigos lingüísticos formais. O alerta é do médico e neurocientista paulista Cláudio Guimarães dos Santos. 'Essa simplificação da linguagem pelos adolescentes não pode ser entendida como alternativa, porque esse código acaba tomando o lugar da escritura convencional', analisa. 'Ninguém escreve um tratado de física com carinhas e usar o código da rede sem dominar o formal gera erros de percepção.' O psiquiatra refere-se aos ícones conhecidos como emoticon, que os internautas usam no correio eletrônico e em seus weblogs para comunicar aos interlocutores que estão tristes, alegres, entediados, eufóricos ou simplesmente indiferentes.

DICIONÁRIO DO INTERNAUTA Algumas grafias usadas nas conversas virtuais entre os adolescentes que visitam salas de bate-papo e blogs
Falou, tchauFlw
ProfessoraPsora
MolequeMulek
AdivinhaAdvinha
FirmezaFmz
AbsurdoBsurdo
AquiAki
BelezaBlz
BonitoBunitim
EntãoIntaum
CaraKra
CasaKsa
NãoNaum
ValeuVlw
Fotos: reprodução
Os traços sintéticos dessas 'carinhas' e a linguagem telegráfica dos blogueiros não são recursos meramente funcionais, adverte o médico. Eles revelam que esses jovens consideram supérflua a escritura formal. 'Ao contrário da fala, a comunicação escrita exige aprendizado e ninguém aprende se não tiver interesse genuíno, o que leva o adolescente a optar pelo código anárquico da rede.' O professor de língua portuguesa David Fazzolari, do Colégio Nossa Senhora das Graças, em São Paulo, discorda, argumentando que a curta existência da internet não justifica previsões pessimistas. A linguagem usada nas salas de bate-papo e nos blogs, diz, é um simulacro da comunicação oral, dinâmica por natureza.
'As abreviações, os signos visuais e a ausência de acentuação representam apenas um jeito de se adaptar ao teclado', observa o professor. Ele não acredita que a norma culta será contaminada pela simplificação. 'Os adolescentes sabem que ela deve ficar restrita ao ambiente da rede e não tenho notado um empobrecimento nos textos dos alunos por conta da adoção do código da internet.' Mas as redações poderiam ser melhores se a leitura fosse um hábito familiar, admite.
O estudante Leandro Rodrigues Gonçalves, de 17 anos, mantém seu blog como um diário para 'criticar' religiosos, 'polemizar'. Como outros blogueiros, começou a usar 'eh' no lugar de 'é' e trocar 'não' por 'naum' até pensar no vestibular e concluir que era melhor render-se à sintaxe convencional. 'A rede me estimulou a ler e a escrever poesia', conta. Já Victor Zellmeister, de 15 anos, acha que a internet não aprimorou seu desempenho. Assim como o colega Gustavo Simon, garante não usar a 'língua' da internet na aula. Colega dos dois, Rafael Mielnik não confunde rede com escola. 'Só uso a net para inutilidades.'
Educadores não identificam perigo nessa linguagem eletrônica. 'Costumamos ver com desconfiança aquilo que foge ao nosso controle, mas não acho que a rede empobrece a língua', afirma a orientadora pedagógica Elione Andrade Câmara. Com ela concorda David Crystal, que costuma rir quando alguém diz que a nova tecnologia está sufocando a gramática e matando a cultura: 'Sinceramente, acho até que a literatura possa ficar mais rica ao incorporar expressões de blogueiros do meio rural, produzindo outros gêneros e abrindo uma dimensão diversa para a escrita'. Assim seja.

3 comentários:

  1. Gostei do Blog, os temas dialeto gaúcho e português.com, demonstram a evolução das variações lingüística, o que comprovadamente é um processo evolutivo do uso da linguagem.
    Hugo Luiz dos Santos/curso Técnico de Administração/Pólo de Santo Antônio da Patrulha.

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  2. Embora o fundo seja escuro, as letras maiores e em tom branco auxiliaram a leitura das postagens!
    Muito bom!
    Professora cristiane

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  3. òtimo conteúdo, mas implico um pouco com o fundo escuro...

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